terça-feira, 16 de junho de 2009

TECNOLOGIA, MÚSICA E DANÇA POR VADECO

Embora escrever sobre música e dança possa parecer fácil- já que existem bancos literários de mais de 500 anos sobre o assunto-, quando se coloca a tecnologia entre esses dois objetos surge-nos um novo tipo de arte. Minha vontade era a de “samplear” frases e conceitos para facilitar e agilizar o meu trabalho neste momento, mas, infelizmente, não existem muitas fontes de pesquisa sobre esse “novo tipo de arte”, e as que existem são ainda extremamente recentes, em desenvolvimento, ainda muito relacionadas às referências acadêmicas impostas para o reconhecimento desses artigos. Assim, o resultado deste texto é um esboço da minha visão pessoal sobre o assunto, sem nenhuma intenção de reconhecimento ou compromisso didático, mesmo porque minha visão a respeito segue tão mutante como a própria tecnologia do meio.

A música produzida hoje em dia é radicalmente diferente daquela produzida em qualquer época da história da arte. A apropriação de sons produzidos por outras pessoas, lugares ou tecnologias nos fazem co-autores em boa parte do tempo. A esse material do qual nos apropriamos e que nos faz co-autores dá-se o nome de samples (amostras digitais de sons, em geral de pequena duração), que serão tocados pelos samplers, ou seja, instrumentos eletrônicos de extrema versatilidade e amplo uso em estúdios de gravação musical pela quantidade de sons que podem oferecer, capazes de digitalizar sons naturais, memorizá-los e depois reproduzi-los. Dos samplers produzimos os loops, que são segmentos dos samples reproduzidos repetidamente enquanto a nota está sendo tocada. Dos samples e dos loops nascem novas músicas de sonoridades diversas conectadas com instrumentos e instrumentistas reais, forjando o que eu chamo de nova tendência sonora, que se desenvolve de uma maneira tão rápida quanto o aumento da largura de banda da internet a cabo ou o numero de verbetes da Wikipédia ou mesmo quanto à velocidade dos processadores dos computadores.

Pode-se dizer que a música já é dependente da tecnologia desde Schaffer ou Edison (e creio que o inverso também é verdadeiro). Mas, no momento, essa dependência está cada vez mais presente e acessível aos “(...) reles compositores populares sem vínculos acadêmicos de pesquisa, de classe média, que querem apenas produzir (...) [e] meio que como menestréis sonoros, buscam emocionar ou simplesmente fazer alguma coisa soar, pois o silencio incomoda o ser contemporâneo”.

Da mesma maneira a dança busca a tecnologia como uma nova ferramenta de trabalho ou criação artística, e essa mesma dança em pouco tempo também será dependente de softwares, computadores, samplers, samples ou loops , ou qualquer que seja a ferramenta que a otimize e contribua para o seu desenvolvimento.

*Vadeco é músico e compositor. Colaborador da PIP - Pesquisa em Dança desde 2002.

PEQUENAS ENTREVISTAS / VADECO

Dando continuidade às atividades que envolvem processo de criação em videodança, Carmen Jorge* faz uma breve entrevista via email, com o compositor e músico Vadeco, sobre o processo de criação e os primeiros resultados configurados na videodança “Lapse” e “Pinko5” apresentada na mostra PIP POP* no dia 29/04/09:

CJ: Vadeco, você sonorizou os dois videodanças “Lapse” e “Pinko5”, você reconhece unidade entre os dois trabalhos?Por quê?

Sim, principalmente pelo fato de eu ter feito a música para ambos os projetos, e o Marlon ter editado. Apesar de serem músicas de estilos diferentes, existem algumas regras que eu utilizei para os dois trabalhos, entre elas a utilização de loops construídos de maneira musical, ou seja, musicando e seguindo alguns padrões de forma que achei importante para as edições clipadas.

CJ: Para mim são dois trabalhos completamente diferentes. Como você vê a questão da singularidade dentro da unidade?

Quando se realiza uma pesquisa coletiva é muito provável que os envolvidos se “contaminem” com as mesmas referências, e essa contaminação acaba contribuindo para a inter-relação dos produtos, vejo isso como um ponto positivo, pois demonstra que o processo esta sendo desenvolvido colaborativamente e isso promove uma unidade estética. A singularidade se apresenta com a pessoalidade, ou as referencias pessoais, que são desenvolvidas num processo maior, mais profundo e mais complexo.

CJ: A unidade visual é construída através da composição, centralização e simetria. O que seria a unidade sonora?

A unidade sonora está relacionada com timbre, forma e conceito. Apesar de os dois trabalhos serem completamente diferentes, eles têm características tímbricas em comum e a forma segue o conceito de videoclip.

CJ: Como foi o processo de criação para esses videodanças?

Com cada um dos bailarinos conversamos primeiramente em relação ao conceito de cada um dos trabalhos, depois buscamos referências sonoras para nortear o processo de sonorização, após muitas conversas e discussões encontramos um caminho e seguimos nele até a finalização.

*Carmen Jorge: Coreógrafa idealizadora do projeto Tecnolaboraterritório;

*PIP POP: Mostra de processo de criação em Videodança.

PEQUENAS ENTREVISTAS/ VIVIANE MORTEAN

Dando continuidade às atividades que envolvem processo de criação em videodança, Carmen Jorge* faz uma breve entrevista via email, com a artista Viviane Mortean sobre o processo de criação e os primeiros resultados configurados na videodança “Lapse” apresentada na mostra PIP POP* no dia 29/04/09:

CJ: Viviane, como você chegou na “coreografia” filmada em sua videodança “Lapse”?

A criação de movimento em LAPSE foi pensada em relação às condições que o espaço urbano fornece ao corpo. Isto fez com que fosse organizada uma célula coreográfica com cinco movimentos básicos: ir para o lado, subir o braço, agachar, girar no próprio eixo e levantar. A criação desta célula de movimento se concretizou levando em conta o estado de corpo que o ambiente urbano proporciona. Um estado cuja atenção tem de estar direcionada para todos os lados e onde é necessário ter malícia para desviar de algo que possa vir a lhe surpreender. Esta malícia apresenta-se organização da própria célula coreográfica. Os movimentos não possuíam uma seqüência lógica, a responsabilidade pela organização coreográfica ficava por conta do acaso passando por minhas percepções enquanto performer. No momento performático, estavam sendo valorizados carros passando, pessoas olhando, a arquitetura, grafismos em paredes, estímulos que aconteciam e instantaneamente geravam uma organização corporal, além do posicionamento da câmera que auxiliava a problematizar a relação corpo/espaço/movimento.

CJ: Você partiu de algum conceito pré-estabelecido?

Partiu-se do conceito trazido por Paola Jacques e Fabiana Britto, no artigo Cenografias e Corpografias Urbanas: um diálogo sobre as relações entre corpo e cidade (2008), em que elas apresentam que existam condições favoráveis para a configuração de uma espécie de corpo urbano, onde são registradas experiências da cidade trazendo consigo uma memória urbana, uma espécie de grafia da cidade vivida. Acredita-se que o corpo urbano percebe o mundo de forma fragmentada, tem percepções, reações e impulsos vindo de distintos pontos do espaço e que favorecem sua sobrevivência dentro do fluxo urbano.

CJ: Como foi o processo de criação? O que envolveu e quem?

A possibilidade de realizar uma videodança supriu uma dúvida que carregava enquanto artista: como realizar um procedimento artístico que traga o corpo presente para o espaço da urbe sem que esta ação performática se dilua com as milhares informações da cidade? Interessava um trabalho que emergisse do espaço urbano, uma proposta que respeitasse a arquitetura, o tempo e os movimentos da urbe tornando-a co-responsável na realização do trabalho. Desta forma enxerguei na videodança um procedimento que supria estas necessidades enquanto artista, até mesmo porque discutir relações entre corpo e o espaço da cidade sempre me interessou mais do que realizar uma dança no espaço público.
Este interesse fez com que me encontrasse com um evento promovido pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) chamado CORPOCIDADE, cujo site do programa está repleto de artigos que fazem referência à organização do corpo que vivencia diariamente os espaços da urbe.
Imbuída de conceitos e considerações a respeito do corpo urbano partiu-se em direção ao espaço da cidade com alguns direcionamentos de gravação. Com assistência de Carmen Jorge e Ângelo Luz, o câmera, Marlon de Toledo, sabia a respeito da movimentação organizada nos cinco movimentos básicos. Da mesma forma que a movimentação estava aberta aos acasos da urbe, o câmera também se colocava atento para registrar momentos que não estavam previstos: como uma pausa repentina ou seqüências de deslocamento.
LAPSE foi elaborado com uma lógica operacional de documentário, em que não existe uma decupagem de roteiro detalhada. Havia locações, idéias fotográficas e de edição, porém, com fendas para o acaso e para o improviso.
Após a capitação das imagens chegou-se na segunda fase da composição coreográfica. A edição permite elaborar uma dança que não depende do mundo físico, abrindo possibilidades para explorar quebras na continuidade de movimento, mudanças de ambientes ou um “avanço temporal”.
A vivência enquanto editor e o conhecimento com o software de edição (Final Cut) fizeram com que Marlon de Toledo passasse a fazer parte da concepção do trabalho. A idéia em utilizar time lapse (efeito em que se modifica o tempo de rotação de gravação da câmera) de onde vem o nome do trabalho, além dos momentos exatos de cortes e organização de planos foram pensados de maneira colaborativa.
A trilha do trabalho ficou por conta de Vadeco. Sua percepção, considerações e idéias sonoras ao ver as imagens do trabalho foram colocadas, e ao lado de discussões, chegou-se na concepção da trilha sonora.
Desta forma a videodança se faz numa proposição audiovisual e acredito que neste momento histórico, pesquisar e realizar vídeodança significa investir no desenvolvimento e na difusão de um novo pensamento a respeito da dança e do vídeo.

BRITTO, Fabiana D.; JACKES, Paola B. Cenografias e Corpografias Urbanas – um diálogo sobre as relações entre corpo e cidade/ Cadernos PPG-AU/UFBA: Paisagens do Corpo. Salvador: FAUFBA: EDUFBA, 2008.

http://www.corpocidade.dan.ufba.br/encontro.htm - acessado em 27/09/2008.

*Carmen Jorge: Coreógrafa idealizadora do projeto Tecnolaboraterritório;
*PIP POP: Mostra de processo de criação em Videodança.